domingo, 14 de outubro de 2007

Experimentações em 35mm

O humor era ácido. O riso discreto. Era intrigante. Elegante. Inteligente. Sabia seduzir. Tão apaixonante quanto blasé, em relação a tudo e a todos. Tão sexy quanto uma sessão de fotos de Eva Green. Não era vulgar. Era fumante. Casos etéreos. Tão preocupada com a vida quanto um flanêur é preocupado com as horas. E nada mais importava. Nada mais valia. Não conhecia o amor e nem queria conhecer. Não era do tipo que buscava colo. Gostava de chorar sozinha, de não dar satisfações. Mas todo mundo, um dia, precisa se entregar. Doar-se sem fins lucrativos, sem pegar o troco.

Uma única paixão: fotografar. No laboratório, um quarto escuro da casa, mergulhado na bandeja com o banho revelador, o seu alvo. Agitava a bandeja e só iria demorar um pouco para que sua obsessão começasse a aparecer. Diante da luz vermelha, lentamente ia surgindo no papel fotográfico uma ruiva deitada na areia, olhos claros, cabelos no pescoço, tatuagens, biquíni discreto. Tinha sido uma fotografia despreocupada, como tudo mais que ela fazia. Mas alguma coisa havia mudado naquele momento. Depois da primeira avaliação, logo antes de outros banhos químicos, um prazer especial. Uma fixação. Algo que retinha, tragava, colhia. E por algum motivo que nem Sonhos nem Pesadelos da Razão podem Esclarecer, morar de frente para o mar a faria abrir a janela para encontrar êxtase e redenção. E isso já bastaria.

Toda tarde, lá estava ela: a observar, a fotografar... Eram sorrisos, instantes, a solidão da ruiva que parecia não ter amigos, mas assumia um encontro marcado com o mar. Mesmo com chuva, mesmo sem pôr-do-sol. Foram muitos dias de profunda admiração. Com a câmera na mão, uma estranha sensação de impotência diante do silêncio da beleza alheia. Mas houve um dia em que os olhares se cruzaram. A fotógrafa e a ruiva se reconheceram por um instante. Era mais que um belo retrato sob linda luz. Mais que duas belezas em sintonia. Havia ali naquele instante uma espécie de libertação. Uma sabia o que a outra buscava.

Abaixou a câmera por um instante e acendeu um cigarro. A outra pediu fogo. Depois da aproximação, não precisou de muita conversa para que se confirmasse o desejo mútuo. Perfume bom, toque suave. No apartamento, a ruiva ficava igualmente surpresa e maravilhada com suas fotos espalhadas pelas paredes. A temperatura do banho estava alta. Revelava a harmonia de duas lindas mulheres nuas. Podia-se sentir uma linda escala de degradê no ambiente. Prazer, suor, fascínio. A experiência resultava no equilíbrio das cores fortes com a sutileza de um filme em preto-e-branco. Beijos perfeitos, mãos suaves. Uma revelação sem negativos. A química que produzia muito mais que um retrato.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do tom. Mostra a incrível necessidade que todo ser humano tem. No fim, só pode dar certo...