domingo, 7 de outubro de 2007

A lógica do contra-senso

Presenciei certo dia uma anosa discussão acerca das possibilidades. Sala de aula. O tema era o acesso a dispositivos que permitem a percepção mais crítica e aprofundada da realidade. Se o assunto era lugar-comum, mais prosaicas ainda eram as respostas. Discursos ordinários. Em meio à homilia irritante, pensei, pensei, mas calei. Cansei.

É extremamente intrigante o fato de que grande parte das pessoas que – teoricamente – tem a possibilidade de apresentar uma postura militante, não marcha passos além do fluxo condomínio-descrença-lazer. E igualmente estarrecedora é a realidade das Universidades brasileiras e de seus estudantes imersos na insanidade de uma tal corrida pós-moderna. Estão todos à procura de um estágio. Um lugar ao sol. Sem olhar muito para os lados.

Problema ainda maior é quando se generaliza a parte pelo todo e, metonimicamente, a sociedade – sobretudo uma classe que insiste em juntar os cacos de algum prestígio social – adquire miopia moral para enxergar a identidade verdadeira das realidades afastadas do asfalto. A parcela criminosa de qualquer favela carioca, a título de exemplo, não é nem nunca foi mais que 1% daquele determinado espaço. E, no entanto, os estereótipos são reforçados em imagens midiáticas triviais, sem fundamentação, fortalecendo crenças sem questionamentos – na maioria das vezes.

Paradoxalmente a essa tendência, crescem os discursos – tantos deles hipócritas – acerca das injustiças sociais. Fala-se muito em solidariedade, programas de inclusão, projetos mirabolantes. Uma visão maniqueísta que se limita a olhar de cima pra baixo – quase sempre de rabo-de-olho. Não seria, ao contrário, necessário refletir a partir da ótica da contradição para alcançarmos a democracia, de fato? Se continuarmos com o discurso da amenização das dissimilitudes, apenas estaremos tentando resolver um problema que não sai das margens do asfalto.

E seja no asfalto ou no alto dos morros, fica cada vez mais evidenciado o fato de que no Brasil as pessoas, em geral, não votam em partidos e idéias, mas em pessoas. Nessa lógica, a figura do presidente não tem outros contornos, a não ser os ‘messiânicos’. Ademais, Brasília parece estar cada vez mais próxima da ‘Terra do Nunca’. Não se pode mais encobrir o momento singular da trajetória brasileira. A possibilidade de identificação dos nossos problemas já pode ser constatada pelos grupos sociais mais distintos, independentemente de sua localização geográfica.

Estamos entrando, ainda que por vias tortuosas, em sintonia? Eclodem diferentes expressões de arte, de pensamentos, de ações. É imperativo explicitar a flâmula do social. Abrandar as diferenças é propor a coreografia do retrocesso. Nossa realidade historicamente velada não consegue mais permanecer em tons pastéis. As percepções de uma sociedade que sempre viu a desigualdade como normal e da mesma forma negou a diferença começam a apresentar-se em cores fortes. Magenta. Carmim. Zarcão. Uma trajetória pelo avesso, tentando encontrar nos problemas, a saída – ainda que seja a de Emergência. Começa a emergir, enfim, a lógica da incongruência. É necessário aquilatar a diferença.

5 comentários:

Anônimo disse...

Achei o texto uma critica inteligente ao modelo governamental do brasil, que se enquadra a varios outros paises deste mundo ainda em processo de evolucao.
Enquanto o filho do vizinho tiver menos importancia que o nosso, as desigualdades vao permanecer.

atangerina disse...

'Terra do Nunca'?
tá muito mais pra 'Terra em Transe'.

muito diferente do outro texto! gostei de saber que vamos, ahn, variar as posições.

aparece quarta! beijones.

Bruno Cave disse...

Gostei muito deste texto... e do blog, Gisa.

Virei ver os próximos posts também!

Beijos,
Bruno.

Unknown disse...

Sublime, querida gi!
Estava falando sobre isso outro dia com alguém!

Visitarei mais vezes!

Besos,
Marcolino

Anônimo disse...

Gi, lembrei-me de sua obra Tribo Urbana, de tantos textos polêmicos e conscientes.
Você vai acabar deixando o Arnaldo Jabour desempregado hein?!rs

Parabéns!
Tia Lucia.